Família: Um Tempo para Repensar
FAMÍLIA:
UM TEMPO PARA REPENSAR
Quando
um casal opta por uma união, independente do modelo jurídico, religioso, ou de
outros valores que não sejam próprios da relação, ele estabelece entre si,
pactos que vão se estruturando de acordo com as expectativas e capacidade de
negociação, construindo assim, uma identidade, sem anular a singularidade,
afinal, compreende-se que, para sobreviver às rotinas e ao enfado que é estar
“junto” ao outro todos os dias, tornar-se-á necessário definir as finalidades
da liberdade, sendo essa, parâmetro delineador do insubstituível espaço da
convivência.
Assim,
estabelecerá a responsabilidade em construir uma proposta de unidade, sem,
contudo, exigir que o outro se desfaça de sua identidade, pois, se assim o
fizer, claro, com o consentimento das partes, fundar-se-á o modelo revelador de
uma relação adoecida, tornando-se essa, inevitavelmente, um local imerso no
vazio daquilo que, para sobreviver, necessita sempre dos sentimentos de culpa,
acusação, punição e intensas doses de tirania, projeções e transferências aos
filhos, pais e amigos, tentando, dessa maneira, buscar aliados para estruturar
uma ruptura e criar “condições confortáveis” para que as responsabilidades ou,
os fracassos emocionais e afetivos, sejam sempre atribuídos a uma das partes do
relacionamento.
Quando
exigimos do outro aquilo que não somos capazes em suportar ou compreender,
encerramos o campo da convivência e, muitas vezes, destituímos a identidade de
uma relação, impondo a ela outras identidades, transferências de convivências
desestruturadas, as quais reacendemos em nossos relacionamentos todos os
conflitos vividos nos casamentos dos pais, e que, inconscientemente, por entre
as fissuras da mente, associam-se a fatos vivenciados no presente e,
reconstruindo, dessa forma, todo o cenário de traumas daquilo que não é nosso,
entretanto, que torna-se, numa herança emocional, algo que nos faz reféns de
nossos medos e de nossas culpas não reconhecidas.
Quantos
são os que têm dúvidas quanto aos seus papéis no fracasso das relações de seus
pais? Quantos são os que não compreendem os motivos pelo qual estão vivendo
novamente tudo que o pai ou a mãe passaram? Quantos são os que transformam o
campo da convivência no espaço da intolerância, destituindo a relevância das
diferenças, sendo essas, um dos pilares de sustentação dos
relacionamentos?
Nas
famílias em que as singularidades são massacradas, revelar-se-á, com o passar
dos dias, um local de extremo adoecimento, sendo esse, o território que
possibilitará as depressões, o desencadear de outros tantos transtornos, e, em
situações onde, o limar da dor rompe a suportabilidade, o suicídio.
Hoje,
lamentavelmente, a cada 35 segundos, temos um novo caso; cerca de 3000 pessoas
por dia, e ainda há determinadas correntes da saúde mental que desejam ter o
controle total sobre aquilo que não conseguem sustentar, criando assim,
mecanismos de manipulação, elaborando diagnósticos como acreditam que devem, e,
prescrevendo, de acordo com as orientações e acordos feitos a portas
fechadas.
O espaço da convivência fundamenta-se e
nutri-se da liberdade, consolidando a responsabilidade em fazer daquilo que somos,
não os caminhos em rotas de fuga, mas, aspectos fundamentais que promovam
critérios próprios para o desenvolvimento do casal, segundo o que cada um traz
consigo, promovendo, dessa forma, a construção da relação, cuja identidade será
resultante de acordos nutridos de trocas, bem
como, da convicção que cada casal promoverá um modelo próprio para si.
Aquilo que pode ser bom a uma relação, necessariamente, não garante nenhuma
qualidade a outras. Cada uma tem sua dinâmica própria e, isso nos leva a
compreensão que, não há receita que possa garantir êxito, ao contrário, ao
tentar estabelecer modelos à história própria de cada uma das relações, será
mantido, por conveniência, somente aquilo que acabou há muito tempo, onde, em
nome de “uma falsa segurança”, anula-se a oportunidade em refazer-se, e aí, em algumas
situações, encontra-se justamente o medo da responsabilidade, sempre delegada,
não como virtude, mas, repleta de culpa e acusações a alguém que nada mais é,
senão, aquele que desfere suas próprias faltas perante a inexistência
de seu auto-abandono.
Para
consolidarmos o espaço da convivência, necessitamos compreender que os membros
das famílias estão cada dia mais sozinhos. as crianças, lançadas ao mundo
virtual, aos alimentos rápidos, práticos e pouco saudáveis; estão cada vez mais
amedrontadas, afinal, vivem uma época onde vêem vários pais matando seus
filhos. Isso é aterrorizante para elas. Certa ocasião, uma criança me disse que
tinha muito medo que isso acontecesse a ela, afinal, os pais pediam que não
confiasse em quem não conhecesse, porém, completou que seus pais eram seus
maiores desconhecidos. Conhecia mais a babá, os professores e demais
prestadores de serviços, mas seus pais, apenas tinham um contrato de manutenção
para com ela. Um acordo quase que social. “Eu os apresento como filhos e em
troca dou roupinhas, livrinhos, internet, escola, televisão, fast-food e um
bando de coisinhas.
Os
adolescentes, cada vez mais imersos a relação tirana das competições e imersos nas
cobranças em saírem-se melhores que os outros, pressionados e submetidos aos
mais violentos atentados à personalidade, ricos em informações, mas,
empobrecidos quanto à construção do conhecimento, quanto ao mundo dos
sentimentos e, escravizados pelas emoções nos processos desencadeados pelo
campo da conveniência. Estão, cada vez mais cedo, mergulhados em depressões,
lançados no conflito solidão e angústia, sem nenhum referencial como náufragos
em uma noite escura em alto mar.
Os
pais, cada vez mais voltados aos seus trabalhos, mais envoltos às cobranças em
apresentarem-se portadores de objetos de consumo caros, mais dados às
gratificações materiais, imaginando ser possível sublimar a falta de atenção,
de afeto, de interação, e, lamentavelmente, diante do fracasso, sempre buscam
culpados por suas próprias ausências, criando a figura do núcleo
psicopatológico.
O
elo familiar torna-se cada vez mais frágil, e as representações construídas são
destoantes da importância da representação das figuras paterna ou materna, dos
papéis dos filhos e da compreensão quanto a significativa relevância do campo
da convivência evidenciando um profundo desamparo
É imprescindível que retomemos a rota para a reconstrução dos laços familiares com base no diálogo, na construção da
crítica, no reconhecimento das escolhas, na responsabilidade pelas
conseqüências, bem como, pela promoção e níveis de sustentação interna frente as
intempéries e as agruras da existência.
Marcus Antonio Britto de Fleury Junior
Psicólogo e Coordenador do programa de
prevenção a depressão e do grupo de estudos Michel Foucault do Ateliê de
Inteligência
ateliedeinteligencia@gmail.com
1 Comentários:
Revelador artigo do Nobre Psicólogo Autor .Sempre me entusiasma a clareza dos simples conceitos por este douto Autor publicados , e a mim os aplico . Me investigo ao encontrar-me associado culturalmente ao processo tão claramente descrito , esperando assim ter direito a minha esperanca de mudar o que de mim está errado para o melhor crescimento do núcleo familiar . O respeito aos filhos deve sim manifestar-se na valorização da personalidade individual de cada um , a autoridade paterna é o estendarte da família sua luz guia e NAO um conjunto de regras opressivas . Agradeço o Ilmo. Amigo que faz da Nobre Ciência um instrumento para viver num mundo melhor . Minhas congratulações Prof Marcos . SHALOM
Por Dr_Nazir, às 6 de junho de 2012 às 11:29
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