A busca pela visibilidade
Nenhuma forma de estigmatização irá estabelecer parâmetros a uma sociedade que “geme” ao parir os filhos de sua própria insensatez. Olhe para os lados e os verão correndo como “lobos uivantes” nas madrugadas, buscando nas possibilidades de mais uma pedra, entorpecer a dor que o viver transformou-se para eles. Um desses jovens“lobos uivantes” me disse, às duas horas da manhã, ser a sua vida uma verdadeira frustração, pois, como ele mesmo disse: “nascer foi o primeiro castigo”, sendo os outros, uma sucessão de desgraças; ainda completou: “Sou invisível”!
Isso pode não causar nenhuma reflexão social, afinal, parte da sociedade está imersa e completamente comprometida em comprar um pouquinho de “púrpura”, com seus milagrosos dinheirinhos de plástico, para que quebre a invisibilidade e revele-se, numa performance de “big brother”, sendo essa também uma forma de dependência, pois, assim como as substâncias psicoativas (“drogas”), o consumismo e o rito obsessivo compulsivo à estética, fazem grandes sofredores e causam enormes prejuízos, sendo esses, desencadeadores de novas formas de sofrimento nessa pós-contemporaneidade de tão infelizes novidades, que traz, na ambivalência das propostas do liberalismo, uma das mais cruéis formas em tornar-se refém das regras e valores desse rito sado-masoquista.
Estamos na fase do “dane-se como quiser, mas o faça com estilo e seja politicamente, ecologicamente, religiosamente e eticamente perfeito”. Pague com suas vidas e com suas histórias aos senhores titulares dessa grande farsa contemporânea que é o discurso da ética, e sejam seus mais novos clientes em busca das pílulas da felicidade, das cápsulas do prazer, ou, de outras coisas que os façam menos invisíveis.
Assim como a reconhecida invisibilidade do jovem que tive o privilégio em conversar numa dessas madrugas, quando me abordou para pedir alguma coisa , podemos observar que muitos estão numa mesma estrada, apenas percorrendo diferentes caminhos, entretanto, ao final, irão se deparar com o horror daquilo em que permitiram transformar suas emoções, negligenciando seus sentimentos e renunciando suas histórias diante da inútil tentativa em aplacar os mais diversos conteúdos e conflitos que, como bons vizinhos, muitas vezes, batem à nossa porta pedindo-nos uma xícara de açúcar, apenas para nos anunciar, inconscientemente, o amargo de sua existência, gritar por socorro e pedir atenção, tornando-se assim, por um pequeno instante, visível em seu flagelo emocional, anunciando-nos seu auto-abandono e solicitando apenas nossa audição, pois, muitos já não cabem em si por tantas palavras, tantas promessas e tantas esperanças não realizadas.
Quantos são os que, num instante insuportável de suas dores mais intensas, deparam- se com o visível horror em que se transformaram e dão cabo as suas vidas?
Estamos num momento onde, somente depois das grandes perdas, que fazemo-nos de estarrecidos, assumindo nossa “grande comoção”, a dor que reservamos diante da projeção daquilo que somos e que está impresso no outro, diante daquilo que negamos e não aceitamos falar, daquilo que, se fosse revisto e desconstruído, traria de volta a possibilidade em reconstruirmos o que passamos a definir como felicidade, não nos importando com as definições, conceitos e valores que são convencionalmente estabelecidos, rompendo a necessidade em ser visto, por quem quer que seja, mas, tendo o prazer em ser notado e vivido em si sem ter que abandonar-se ou aliar-se às práticas que não conseguem sublimar as demandas internas.
Superar aflições não consiste em afastar-se das mesmas, mas sim, fazer um grande mergulho no oceano psíquico, conhecendo cada detalhe, cada componente que o formou. É desconstruir o mito de um mundo perfeito, compreendendo que, perfeição, nada mais é que, um recurso criado mediante as expectativas em construir um “dique” entre o oceano revolto de nossas angústias e os áridos territórios de nossa solidão, entre o reconhecimento da intencionalidade da fala e os mecanismos que adotamos para nos defender.
Chega um tempo em que, depois de tantos anos de invisibilidade, resignificamos as incertezas, transformando-as nas conquistas do hoje, compreendendo que o futuro se define pela força de nossas escolhas, superando assim, o medo das nossas dúvidas frente às intempéries, pois, compreendemos que a existência não renasce do nada, mas, apenas de cada um de nós.
Marcus Antonio Britto de Fleury Junior.
Psicólogo / ateliedeinteligencia@gmail.com
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