A Dor da Descoberta
Poucas coisas doem tanto a uma criança quanto descobrir e ter que acreditar que seus dias terão fim. É assustador quando o fatídico e o falível apresentam-se trazendo o contexto da morte como algo inegociável, principalmente, pelo fato de, anteriormente a essas descobertas, no exercício da liberdade, as crianças brincavam deliberadamente que morriam e, em seguida, já se levantavam com intensa vitalidade, saindo correndo em busca da vida, deixando para trás, somente para nós, por alguns segundos, a impressão que nossos medos de adultos seriam grandes bobagens.
A elaboração da representação da morte, em meio à dificuldade em articular emoções, sentimentos, pensamentos e fala, quando não observados com devida atenção, gera modificações na forma de como a criança interage com a família, com o grupo de pares e com a escola.
Elas sentem-se solitárias em um mundo onde algumas descobertas serão tão somente suas, que diante da dor sentida, não conseguem expressar aquilo que as fazem perder aquelas carinhas de quem desafiavam, não apenas a vida, mas também, as regras e valores criados por infelizes manipuladores, bem como a própria finitude.
Assim, é notavelmente importante que os pais, independente de serem casados ou não, estejam próximos, acompanhando a elaboração que seus filhos fazem desse tema, desconstruindo mitos e tabus, falando francamente, sem colocar “papai do céu” ou outras estórias que enganam somente quem as contam, como forma em solucionar uma “situação”. Assim, caso façam, irão proporcionar uma intensa vulnerabilidade a tantos outros transtornos ao longo das etapas de desenvolvimento e dos conflitos inerentes às mesmas, bem como, frente às intempéries da existência.
Criar possibilidades em relação ao que não é possível, como forma em amenizar ou encerrar um determinado assunto que jamais terá fim, a não ser o seu próprio desfecho, é algo extremamente egoísta em relação a quem se abre em meio às descobertas em busca de elaborações que a façam não sofrer menos, mas, saber o que fazer com a intensidade daquilo que sente. Assim, se soubermos ouvir mais as nossas crianças, permitindo que as mesmas falem, reclamem, chorem ou se revoltem, estaremos as presenteando, pois, nada mais significativo a elas, quando compreendem que terão quem as ouça e saibam respeitar suas duvidas, sem impor certezas tolas e verdades duvidosas. Compreenderão também que, após suas falas, no momento propício, irão obter o que buscam, não para aplacar seus conflitos, mas, para que possam, mesmo em meio ao caos, reorganizar o que necessitam. Elas sentem-se valorizadas, respeitadas e isso é fundamental para que possam resgatar e elaborar as posturas necessárias frente às descobertas.
Marcus Antonio Britto de Fleury Junior
Psicólogo e Coordenador do Ateliê de Inteligência.
ateliedeinteligencia@gmail.com
1 Comentários:
Interessante... tenho um artigo escrito para o Psicologia e Vida sobre este tema e ainda não postei..
Pais que não aprenderam a elaborar suas próprias perdas ao longo da vida, não conseguem falar sobre a morte como algo inerente à vida, nem entre eles mesmos, quanto mais com filhos pequenos. A morte se torna um tabu, assunto evitado como se fosse possível evitá-la. E assim evitam, tentam afastar o assunto, prejudicando o amadurecimento emocional, causando sentimentos de culpa, fortalecendo os conflitos infantis.
Muito bom artigo.
Abraço
Por Eliana Bess d'Alcantara, às 16 de janeiro de 2011 às 13:50
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