Walcyr Carrasco, em desamor à vida.
Não me importo com juízos de valores, sou o que preciso,
desde que não me dê a contextos violentos ou condutas que ultrapassem
meus limites invadindo o espaço
alheio, e isso é o que conta no que faço,na forma como vejo o mundo , na
maneira como penso , ou seja, na minha necessidade contínua em estabelecer
críticas quanto a existência.
Ao ler um texto de Walcyr Carrasco, na revista época, onde
ele trata as relações atuais, refleti muito, pois, mesmo que a “genialidade”
dessa grande roteirista possa ser referência de atualidade, senti a necessidade
em questionar uma de suas frases. Disse ele: “Muitas vezes é a traição que pode
salvar um relacionamento”.
Já vi casamentos se fortalecerem através das mais intensas
crises, entretanto, todos os que envolviam episódios onde o contexto da traição
esteve presente, por mais que tenham sobrevivido, esbarram na insegurança e no
deslocamento de intensa dor ao associarem-se ao trauma vivido, remontando o
cenário agora imaginário e completamente repleto de fantasias atormentadoras.
Não concebo que “salvar um relacionamento através da
“traição” possa trazer nenhuma forma de alívio a quem quer que seja, ao
contrário, as experiências, mesmo que tragam prazeres rápidos e momentâneos, geram uma elevada dose de conflitos entre o ato
efêmero finalizado por um orgasmo e a dura realidade de uma relação adoecida e abandonada por diversas circunstâncias .
Quando estamos com alguém, por mais que nos sintamos
abandonados em determinadas ocasiões, não sei se o melhor caminho esteja em
aventurar por um terreno ao qual possa arrastar uma vida toda ao mais profundo
descrédito e fracasso. Sim , romper laços,
em primeiro lugar, requer a dignidade em saber que há uma outra pessoa a qual
estabelecemos alianças e pactos, tornando-nos, assim, responsáveis não apenas
pelo que é singular, “meu”, mas, pelo que torna-se nosso, e isso nos leva a
sermos cautelosos e responsáveis até mesmo na hora em dizermos que não dá mais.
Não dá para salvar nenhum relacionamento afogando o outro na mais profunda
decepção, nem tampouco, atira-lo nos profundos oceanos da angústia.
As pessoas, por mais que consigam por algumas horas
sentirem-se bem em decorrência de seus orgasmos e “suas paixonites”não
conseguirão escapar da realidade, e então, se depararão com a sombra que pode
estar sobre duas pessoas que não mais se veem como luz na vida da relação. É
justamente nesse momento em que devem saber as consequências das escolhas
feitas, e que as mesmas podem arrastar dezenas de pessoas a grande um sofrimento: os casais, os filhos, as famílias,
os amigos. Não há como negar, mas, por mais que tentemos ser imparciais ,
quando algo dessa natureza explode na vida de pessoas as quais estimamos, por
mais que tentemos estabelecer certa indiferença, num dado momento, somos pegos
num ato reflexivo quanto ao fato que causa tanta dor.
Não construo esse texto com bases religiosas, aliás, as
religiões por mais que sejam instrumentos constitutivos de preceitos morais,
sempre foram palco das mais temerárias traições e açoites sobre a humanidade.
Também não utilizo nenhuma teoria, afinal, a ciência e sua apatia estão numa
função reducionista estabelecendo a grande manipulação tentar gerar a crença em
verdades absolutas, e elas, penso eu, são a mais sórdida forma em trair nossas
subjetividades. Verdades absolutas entorpecem, geram um conforto ilusório que
mais cedo ou mais tarde irá estourar no peito dos que carregam tudo o que é mal
resolvido, sendo esse, o caminho para transtornos mais diversos, principalmente
, os psicossomáticos. Aí, então, a vida revela-se não como uma novela cujos
capítulos baseiam-se nas projeções de quem os escreve, mas, na dura realidade
dos que perdem-se na certeza atormentadora do desamor à vida.
“A” traição nunca triunfa. Qual o motivo? Porque se triunfasse, ninguém mais ousaria
chamá-la de traição” J. Harington
Marcus Fleury é
psicólogo
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