A prática dos grandes homens
Os que restringem suas vidas à razão desistiram da maior possibilidade em saber o que são, passando então, a construir o que os outros também deixaram de ser. Assim, tornam-se em vida, um grande epitáfio, de onde se pode ler e ver o arrependimento pela existência não percorrida e pelos sonhos mortos pelas próprias mãos. Ao invés de poetas da existência, fazem de suas caminhadas a perda das próprias pernas, estando sempre atirados ao chão, buscado incessantemente o que não conseguem mais discernir, pois, perderam-se ao deixarem para trás o que distingue a excelência da existência, das limitações escolhidas para viver, tendo sempre, então, que retomar a história, pois não compreenderam a lição da vida, como bem definiu Nietzsche, acrescentando que: “... É em ti que se coloca o enigma da existência: ninguém pode resolvê-lo senão tu”.
Entretanto, não sei o quanto vale a razão, afinal, a mesma, impõem muitas vezes, o fim dos sonhos, obliterando a renovação e a conspiração necessária a essa sociedade contemporânea, cuja fundamentação, se desconstruída, apresenta como fundamento, a insensatez de pensamentos e comportamentos reproduzidos, fazendo-os perder as referências quanto à singularidade e descaracterizando o indivíduo, colocando-o “sentando no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes esperando a morte chegar”, manifestando um olhar envolto pelo medo, rendido por suas próprias dúvidas, sentindo, sem pronunciar o auto-abandono, traído por si mesmo e, construindo sob o legado das angústias, as doenças que necessita ter para definhar-se no tempo e ser perdoado em suas próprias dores e seus sentimentos de culpa.
Nos hospitais, em muitos leitos, estão deitadas razões adoecidas, cujos corpos transformaram-se em reféns da renúncia dos muitos sonhos que foram trocados pela tese que domestica e limita, não a existência, pois, essa não se alia e sempre se reconstrói, entretanto, a vida não. Essa, diante da fragilidade negada, manifesta-se implacável.
Os sonhadores, eles fazem de suas existências o palco para que a vida apresente-se diante do espetáculo perseguido em relação àquilo que se resignam fazer, mesmo sabendo das agruras ou descobrindo tantas outras, não interrompem seus projetos, ”não se importando se quem pagou quis ouvir”, continuam suas trajetórias em meio às caminhadas solitárias, transformando a solidão no sentimento mais fiel, principalmente, quando todos os outros já não se fazem mais presentes. Nossos amores acabam, nossos filhos partem para suas caminhadas, nossos pais morrem, nossos amigos trocam de amigos, nossos irmãos tornam-se irmãos de seus interesses. Então, quem aparece? Claro, ela, a solidão, sempre de braços abertos, chamando-o para mais uma caminhada pelos seus territórios compostos dos mais variados relevos, cujas formas, nada mais são, senão, projeções quanto ao que se está sendo vivido naquele instante. A solidão é egoísta, quando nos recebe como anfitriã, exige exclusividade e nega-se aceitar ser rejeitada. Basta um pequeno movimento contrário a seu encontro que a mesma o lançará nos vales onde estão as mais variadas psicopatologias.
Freud assumiu seus sonhos não se rendendo as truculências dos “senhores da razão” que o tinham como a figura mais indesejada de Viena, entretanto, sabemos muito bem que os que promoviam campanhas austeras contra ele não o temiam, porém, temiam saber e reconhecerem-se em meio às teorias psicanalíticas desenvolvidas que os desnudavam. Quase apedrejaram Freud quando esse descreveu a sexualidade infantil e as etapas de desenvolvimento da mesma.
Ele tinha todos os motivos para abandonar seus sonhos, afinal, saído da Moravia com um ano de idade, foi juntamente com a família para Viena, onde morou até abrigar-se em Londres. Sua vida na Áustria foi marcada pelo preconceito. Na infância, direcionado às suas origens judaicas; na fase adulta, pelo ódio desencadeado por seus colegas médicos, afinal, “ser judeu é estar sujeito a insultos ocasionais e situações desagradáveis. Mas, ser detentor de um sonho chamado Psicanálise, sustentando-o e defendendo-o como pôde, fez com que parecesse, muitas vezes, intolerante, mas, isso nunca foi problema para Freud, pois, se, por acaso, houvesse cedido às mais variadas vertentes e opiniões, principalmente dos que cresceram à sua sombra, não teríamos uma obra tão completa e esplêndida, sendo essa, a responsável por descortinar o mundo que somos nos recônditos do inconsciente. Portanto, a Psicanálise, produto de um sonho, foi o maior motivo que levou Freud a ir adiante, não desistindo dia algum de viver, mesmo tendo que conviver com o câncer durante 15 anos.
Sou convicto que a produção intelectual o motivava viver cada instante intensamente, estabelecendo uma profunda aliança com a existência, gerando assim, entusiasmo e vida.
Em 5 de julho de 1910 ele escreveu ao amigo, Pastor luterano, Oskar Pfister: “É preciso expor-se, arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma dessas ações criminosas, nada se pode fazer direito”.
Assim, não consigo ver grandes nomes sem que estejam vinculados aos sonhos, afinal, são eles que nos remetem ao futuro, que nos aproximam das possibilidades em não nos enterrarmos sem que possamos experimentar dos resultados do melhor que podemos fazer, sem que nos preocupemos se vamos ou não agradar, se teremos ou não, no meio da trajetória, que mudar o curso, refazer nossos ensaios e nos reconstruirmos para que possamos atingir os resultados sonhados.
Conheço palácios repletos de mendigos, assentados nas escadarias da miséria emocional. Esqueceram-se de sonhar e transformaram suas vidas em um horror ao venderem seus sonhos por tão pouco, ou melhor, por nada, fazendo-os valer 30 ou pouco mais moedas. Portanto, ouse, desafie-se e saiba que quando você imaginar que não vai mais suportar, parabéns, faltam mais alguns passos, entretanto, mais distante já esteve, porém, pelos lugares, pelas experiências pelas quais você passou, jamais os pretensos detentores da razão passarão, esses estão mais preocupados com um chão de certezas que esquecem-se de contemplar o céu de estrelas. O homem quando deixa de olhar para o céu buscando nele inspiração, começa a buscar no chão um lugar para enterrar-se.
Marcus Antonio Britto de Fleury Junior
Psicólogo,coordenador do programa do Ateliê de Inteligência de prevenção a depressão.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home