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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Por onde caminha a “Loucura” ?

Não há nenhuma forma em conter e recalcar os gritos e as profundas manifestações daquele que reflete os horrores que tanto tememos, mas, sabemos, mesmo que tentemos repudiar o que somos quanto ao que se move, nos quase inescrutáveis porões do inconsciente, será em vão negar que há uma articulação diante de determinadas experiências que podem nos surpreender, ou então, nem mesmo consigamos estabelecer compreensão quanto à cisão com a realidade.
A “loucura” caminha lentamente por nossos jardins e, neles, desenvolve a forma necessária para aplacar a dor que não foi suportável; dores não assumidas ou, processos, cujos mecanismos de defesa não foram suficientes frente ao conteúdo de um contexto, eliciando assim, a cisão com a “realidade”, promovendo a estruturação dos delírios e estabelecendo os cenários onde, as alucinações expõem o que há em cada um no seu universo mais real, sendo esse, desprovido das subjetivações “acalentadoras” construídas nas mais frágeis bases, cujo sentido sublimatório sempre permite que no porvir “o castelo de areia venha ruir”, afinal, “mata-se o subjetivo”, mas, posteriormente, ressurge do inconsciente, no invólucro das pulsões, as manifestações de acordo com as necessidades que cada um traz naquilo que não consegue sustentar. Portanto, a loucura estrutura a realidade que tanto tememos, afinal, nossa única convicção entre as demais que nos abandonam em certos momentos é que as realidades que alegamos possuir não são nem nossas, e, no nada nos fazemos o pouco que um dia descobrimos quando nos sentíamos o muito, projetado nas idealizações que buscamos agregar aos papeis que utilizamos para tentar não ser “gente” nas farsas de nossos reinados de tão curta duração.
Michel Foucault, escreveu que “o objetivo não é descobrir o que somos, mas sim, recusar o que somos”. Por isso, nessa recusa, são lançados, não somente por detrás dos muros, aqueles que apresentam o discurso que não conseguimos sustentar, mas, estão largados nas praças, nas calçadas, debaixo das marquises, expostos como representações do que existe em mim e em você. É inevitável negar a loucura que cada um traz em si. As psicopatologias, que dispostas estão nas mais variadas formas esperando apenas um único momento para que possam entrar em cena livrando-nos das condenações das tantas certezas em tempos das mais absolutas incertezas.
É a busca em ouvir em meio ao mais absoluto silêncio as vozes e os gritos inaudíveis, vislumbrando ver aquilo que os olhos não puderam enxergar e, permitindo-se sentir o que não foi possível compreender nesse mundo de tão frágeis razões, onde, as definições quanto ao que se deve viver, fazer, etc e tal, jamais se aproximarão daquilo que é desejado. Então, as sublimações em tempos de profunda sobriedade punitiva que sufocam o indivíduo através dos rituais de consumo buscam a “morte” do ser através do ter.
É o consumo deformando as formas do prazer, estando esse, massacrado nas práticas vazias das sacolas cheias. É a tentativa cruel em entorpecer com a química descontrolada e avassaladora a ilusória tentativa em negarmos o que somos e o que desejamos, protelando o encontro, através de doses cada dia maiores e mais intensas, afinal, o grito interno vindo do cárcere das emoções é calado para que sejam negadas as fantasias que cada um necessita estabelecer em suas existências.
É o deformar das formas, implícito na ditadura da estética, body modification, estabelecendo na manifestação do inconsciente, uma das manifestações de sobriedade punitiva, onde, a auto-mutilação se apresenta de forma socialmente aceita, e ainda mais contemplada, afinal, as formas criadas escondem o que não pode ser verbalizado, nem o horror interno que não pode ser visto.
As inócuas tentativas em negar o que há de tão real, aquilo que assusta e passeia pelos jardins de nossas existências, torna-se visível, estando projetado no empobrecimento das relações afetivas, no aumento crescente dos níveis de violência, onde, mata-se o outro e tenta esconder o corpo, atirando-o pela janela. Nunca vi nenhum “louco atirar filho pela janela”, pois, os mesmos, estão em seus universos que não precisam ser negados e que podem ser vividos nas suas mais profundas poesias que são lidas com horror pelos olhos de quem continuamente renuncia os versos que deseja, mas reprime-se para não ler, pois neles, encontram-se em cada fonema, em cada frase, em cada estrofe, o que mais está recalcado, mas, não morto.
Lidar com o que somos é uma questão árdua, afinal, muito perturba a familiaridade com a “loucura”, pois, nos deparamos com o outro massacrado, que, projetado nos espelhos, apresentam-nos a nós mesmos.
Marcus Antonio Britto de Fleury Junior.
Psicólogo psicossomaticista, pos-graduando em Neuropsicologia e Coordenador do Ateliê de Inteligência.

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