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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Hélio Seixo de Britto: A presença que dissipa a temporalidade


Como é simples falar em meu Avô, mesmo diante a figura da mais intensa dignidade que havia estampada em cada um de seus atos, não há nenhuma dificuldade em defini-los, afinal, sua própria história já o faz por si só, não o sepultando junto ao jazigo do esquecimento, mas, a cada dia, por onde passo,ouço suas histórias, não as impressas, mas, aquelas saídas das bocas daqueles que com ele conviveram e pronunciam seu nome com satisfação, amizade e saudade. A intensidade é tanta que, muitas vezes, ao final da fala, é possível observar os olhos dessas pessoas, marejados e, em algumas vezes, contemplar uma lágrima escorrendo, saltando como bailarina que dança solitária e nostálgica num momento em que não mais terá volta.

A saudade de meu amado avô é indefinível, pois, ao manifestar-se, traz consigo lembranças que dissipam a temporalidade, dando vida ao museu das lembranças que visito todos os dias, local esse, onde me assento revivendo como outrora, cada detalhe de sua existência, estando nela, o intenso prazer em viver, afinal, ele fez daquilo que acreditava um assunto de gente grande, mas, com a suavidade de uma criança que acredita resignadamente em cada um de seus sonhos, concretizando-os até o último instante, até em seu último suspiro, tendo a família unida, não somente para si, mas preparada para poder acolher aqueles que necessitassem do mesmo apoio que ele sempre se dispunha diante do encerrar temporário da trajetória humana; sempre fundamentado na frase de Spinoza: “non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere” (não rir, não lamentar, nem amaldiçoar, mas, compreender).
Quantas foram as pessoas que, naqueles dias 01 e 02 de julho, desmoronaram, requerendo de cada um de nós, familiares, o ombro e o abraço companheiro que somente ele tinha, mas, diante de tal condição, assumíamos, mesmo dilacerados em nossa dor, a postura que compreendemos com seus ensinamentos.

Vovô foi um homem cuja elegância estava acima de quaisquer formalidades, afinal, não era o homem feito pelo que tem, mas, construído pelo que podia oferecer, fazendo-o sempre sem nada pedir em troca, a não ser o esvair das agruras impostas pelos percalços, principalmente, da tirana estrutura de uma economia injusta e cruel que ele sempre condenava em nossas conversas quanto à péssima distribuição de renda.

Era fácil vê-lo observando analiticamente as estruturas constituídas nas frágeis, porém intrínsecas relações de poder, onde, a dependência se estabelece não como a história muitas vezes retrata, mas sim, da forma que está explicita. Não é o menos favorecido que necessita da economia, mas sim, ela, pois, sem as pessoas, os meios de produção seriam improdutivos. As pessoas quando observadas em sua grandiosidade, em sua excelência, possibilitam que desfaçamos da efêmera importância que as coisas tem, então, o Ser existencial torna-se prioridade, estando acima das doutrinas, dos referenciais teóricos e de tantas outras bobagens criadas pelos interesses dos grupos, diminuindo assim, a capacidade da crítica que engessa o homem pós-contemporâneo em um mundinho de cristal, espaço esse, cujo controle encontra-se a disposição de grupos cujos valores e ética apenas os protegem, lançando ao descaso, não do acaso, pois essa besteira apenas existe para os que desejam desculparem-se da falta que fazem às suas próprias histórias.
Lembro-me perfeitamente das histórias do jovem Hélio Seixo de Britto, ao passar, juntamente com Nilse da Silveira, sua colega de Faculdade Nacional de Medicina, para serem residentes no Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro e, como assistente do Professor Henrique Roxo, durante três anos, na época, diretor dessa instituição, ter moradia para poder terminar um de seus sonhos, ser médico, pois, caso não conseguisse a aprovação no hospital acima citado, como ele mesmo contava, em decorrência da grave crise que assolava o país, possivelmente, teria de voltar ao seu estado e à guardiã, a cidade de Goiás, local esse, que guardava por entre a exuberante beleza da Serra Dourada, aquela que o impulsionava em suas buscas, sendo essa, seu maior grande sonho, a linda e jovem Célia Coutinho. Entretanto, ele fazia dos percalços, não obstáculos, mas, grandes motivos para superá-los e vencê-los, sempre estabelecendo suas metas sem nada temer, afinal, compreendia que sua resignação é que faria a grande diferença, levando-o a concretizar o sonho do menino simples da cidade de Goiás, filho do comerciante e da doceira, na história constituída em sua trajetória, cujos passos, jamais pisaram sobre quem quer que seja, mas, que possibilitaram carregar a muitos em seus braços, sempre no momento do apoio e atenção.

Eu sei que ele tranquilamente partiu, até mesmo sem se despedir, justamente pela convicção quanto ao reencontro futuro, onde nos permite o conforto da saudade temporária.

Marcus Antonio Britto de Fleury Junior.
Psicólogo e Coordenador do Ateliê de Inteligência.

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