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domingo, 5 de setembro de 2010

O ESTADO TIRANO É SURDO, MUDO E CEGO (PARTE 3 )

Uma sociedade, diante de um processo de transformação de suas políticas públicas, depara-se sempre com os pessimamente mal intencionados que, utilizam das agruras psíquicas da população adoecida para fortalecerem-se, gerando estigmas, preconceitos e valores que estabelecem a falsa moral como instrumento regulador das relações, favorecendo, dessa maneira, sempre os que manipulam as estruturas dos estado.

São muito conhecidos os oportunistas e os métodos que utilizam para que tenham domínio sobre a sociedade. Primeiro transformam o ser humano num elemento altamente pernicioso à sua própria espécie, abatendo-o e adoecendo-o, fazendo dele elemento de desonra, ignomínia e desprezo.
Depois estabelecem os ritos segregadores fundamentados pelo preconceito, impondo formas de banir, execrar e encarcerar, transformando-o no “exemplo” reprovável, tornando-o indigno em conviver com outras pessoas e todo contexto social, subjulgando-o naquilo que politicamente necessitam para que façam do adoecer o mecanismo de controle e domínio de alguém que funde a imagem do salvador da pátria, do paladino da justiça, do esculápio e de tantas outras espécies que imaginam na sua pequenez sobrepor-se sobre o seu próximo, afinal, tornar-se além do homem, um super-homem, é o projeto dos que são vistos debaixo para cima, numa relação de subserviência da população diante da supremacia pretendida por semi-deuses; claro, são de meia tijela.

Essa estratégia levava a cineasta alemã Leni Riefenstahl colocar Hitler sempre acima das pessoas, levando-as a olhar para o alto, para que, no imaginário, estabelecessem a relação de supremacia e domínio, gerando encantamento e uma catarse coletiva, pois, estavam diante do que lhes salvaria dos temores sociais que ele próprio criara em sua estratégia de domínio e opressão.

Assim, dessa maneira sutil e complexamente perversa, temos em nosso país os que estruturam toda uma política fundamentada na prática em jogar o ser humano contra sua espécie, transformando as dificuldades e o adoecer em algo que necessite de condenação e exclusão, gerando uma rede de seguidores que sente-se protegida por alguém que nada pode fazer, a não ser, ampliar suas práticas e estratégias de dominação, por intermédio da exploração do próprio horror que criam em suas falas, onde, encontram-se escondidas as verdadeiras motivações e os reais interesses.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de lei 111,de autoria do candidato a reeleição ao senado por Goiás,Demóstenes Torres, que propõe alterar a lei 11.343, que cuida das propostas de prevenção e tratamento a dependentes químicos, instituíndo detenção de 6 meses a 1 ano, sendo a mesma, somente revertida quando um juiz encaminhar o dependente químico a um tratamento especializado. Quais serão os parâmetros estabelecidos para que sejam estabelecidos diagnósticos e prognósticos?

Nesse instante, através desse projeto de lei, fundamenta-se a imagem do bandido, vinculando-a ao usuário de drogas fundando e disseminando preconceito,bem como, repulsa social em relação a quem necessita de acolhimento, afeto, suporte clínico que abranja toda família e uma equipe multidisciplinar, afinal, tratamento não é castigo, mas sim, possibilidade em ressocializar a pessoa humana, gerando níveis de sustentação interna, para que possam levá-la a compreensão de suas capacidades como autor de sua história e não refém dos modelos impostos pelo Estado Tirano, nem tampouco, da dependência química que, diante dos níveis de alterações psíquicas, aprisiona o usuário em seu próprio corpo, tornando-o o pior cárcere do mundo, pois, nele habita os horrores que atormentam dia e noite o ser humano, fazendo de seus passos as mais longas caminhadas e, de seu silêncio, os gritos ensurdecedores de seu mais intenso desespero.

Durante votação no conselho regional de psicologia, apresentei o projeto a alguns colegas que lutam incansavelmente pelas políticas anti-manicomiais, e todos, sem exceção, concluíram que tal intento promoverá, em pouquíssimo tempo, o retorno das velhas e execráveis práticas onde, jogavam dependentes químicos em unidades manicomiais, ampliando, dessa maneira, as consequências nefastas, reforçando a dependência química e desencadeando outros transtornos em decorrência da estrutura e dos métodos adotados nessas instituições.

As clínicas especializadas em dependência química apontam grandes dificuldades em relação aos tratamentos e em relação as recaídas, sendo as mesmas, muito elevadas, isso, num âmbito onde há concordância do usuário que precisa tratar-se. Agora, imaginem tratando-o como bandido, punindo-o e castigando-o, qual será a probabilidade em recuperá-lo?

Necessitamos ampliar a discussão num amplo fórum multidisciplinar que tenha por objetivo, dar embasamento científico a assuntos relacionados a saúde mental, não transformando-os em plataforma que elevem, seja lá quem for, aos olhos de uma população que não mais suporta o Estado e seus métodos punitivos que estigmatizam a pessoa e desmerecem suas dores psicossociais.

Portanto, convido o autor do projeto de lei, bem como, profissionais em saúde mental para que discutamos a questão aqui tratada nesse artigo, pois, caso tal alteração da lei seja aprovada, confirmará a tese que está em curso um programa que visa retroceder as conquistas da luta anti-manicomial, fazendo triunfar interesses que vão, desde a reestruturação da indústria da loucura e as mais variadas motivações econômicas que, em muito breve, terão conseqüências nefastas, acentuando os níveis de violência e elevação do consumo de substâncias psicoativas.

Aos interessados, segue abaixo meu email para que possamos ampliar nossas discussões quanto ao tema, preparando, dessa forma, novas propostas e desenvolvendo, com embasamento teórico e vivenciais, as realidades da dependência química.

Marcus Antonio Britto de Fleury Junior é psicólogo e coordenador do Programa de Prevenção a Depressão e do grupo Michel Foucault, do Ateliê de Inteligência. ateliedeinteligencia@gmail.com

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