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terça-feira, 17 de maio de 2011

A LOUCURA NOSSA DE CADA DIA



Saímos do tempo do silêncio em relação à saúde mental, justamente, porque as vozes dos excluídos fizeram-se ouvir nas suas mais profundas, indefinidas e imensuráveis dores. Suas histórias, uma trama dos mais diversos fatores, estiveram, por muito tempo, negligenciadas aos últimos planos e, por esse motivo, hoje, estamos diante de uma explícita pandemia, com índices cada dia maiores, elevando acentuadamente o número de pessoas que, em um momento de suas vidas, ou, durante anos, vivenciaram episódios que alteraram suas histórias.

Sabemos muito bem que a indiferença, primeiro dilacera, depois mata. O Brasil, conta em seus mais de 150 anos de estrutura manicomial, segundo site do Deputado Paulo Delgado e outras fontes, com a estimativa de mais de 300.000 pessoas mortas. Somente em uma unidade manicomial de Barbacena(MG), foram 60 mil, no século 20.

Diante de tais fatos é incoerência discutir a reforma anti-manicomial? É necessário pensar sem julgar, nem mesmo condenar, entretanto, rever posturas que façam da reforma manicomial o caminho que possibilite estruturar novos métodos e diretrizes quanto à construção de um modelo de saúde mental que esteja condizente, não com interesses de grupos, sejam eles quais forem, afinal, enquanto o conteúdo narcísico, diante das agruras dos que padecem continuar o debate acusatório, limítrofe e repleto de conflitos de interesses, estaremos diante do egocentrismo, legitimando a perpetuação de uma estrutura que ruiu ao longo das décadas.

Frente aos fatos, que vão desde as internações à força, por motivos que poderiam ser reelaborados diante das psicoterapias, até mesmo, o abuso das medicações, sendo essas, em determinados momentos, uma forma perversa de contenção, transformando a pessoa em um objeto manipulável e destituída do direito em participar daquilo que envolve o que é mais sagrado: sua vida.

Lembremo-nos de Austragésilo Carraro, em “O Canto dos Malditos”, livro que inspirou o filme “Bicho de Sete Cabeças”, que aos 16 anos, depois de ser flagrado em casa com um “baseado” no bolso, foi levado a uma unidade manicomial, internado nas piores condições, submetido aos mais agressivos e invasivos métodos, sem sequer poder verbalizar sua história, sendo essa, construída em um ambiente destituído de diálogo. Foram 4 anos de internação, 20 sessões de eletro-convulsoterapia .

Havia um pai distímico, com um mal humor crônico, uma mãe completamente anulada diante da condição de mulher e, um filho em meio aos seus conflitos que projetava no mundo todo seu pedido de socorro. Foi a maneira que encontrou para abandonar a invisibilidade, tornando-se visível a sua existência que necessitava de acolhimento, afeto, diálogo e respeito. Essa é apenas mais uma, diante das milhares de histórias que estão aí sem conhecimento público.
Sugiro aos leitores que busquem informações sobre a Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental.

Enfim, fica óbvio que o sistema manicomial é, em “muitos momentos”, uma extensão diferenciada e extremamente cruel de aprisionamento. Precisamos de uma ampla discussão, destituída dos ataques repletos de fragilidade, onde, nas lacunas, deixam evidenciar outros propósitos que estejam distantes de uma nova política de saúde mental elaborada pela multidisciplinaridade, mas, principalmente, com a participação da Associação dos Usuários de Saúde Mental, afinal, são esses que conhecem melhor que qualquer cientificismo barato a realidade jamais mensurada em meio as suas experiências vivas.

Precisamos do debate limpo e distanciado do contexto arbitrário para que consigamos avanços cada dia maiores, promovendo políticas que vão desde a prevenção de transtornos em saúde mental, até o acompanhamento das inserções daqueles egressos que, depois de longo tempo de internação, necessitam de um acompanhamento específico para serem reinseridos. Então, além de Programas Preventivos, os CAPS3(24 horas) são uma excelente sugestão, além de residências terapêuticas, de um numero maior de CAPS em relação aos que existem, de um número maior de profissionais, não apenas psicólogos ou psiquiatras, mas, das mais diversa áreas.

No Brasil, mesmo depois de tantos anos de reforma manicomial, estamos diante de antigos obstáculos, dentre eles o pequeno repasse que é feito as novas políticas de saúde mental.Em 2009, eram repassados 11% de todo montante destinado a saúde mental aos novos programas, sendo que 89% ainda são, segundo o psiquiatra Júlio Cesar Silveira Gomes Pinto, destinados as “ineficazes internações”. Não adianta sair dos hospitais e ir para os ambulatórios; é extremamente necessário ganhar as ruas, recriando o contexto da família e da sociedade.
Precisamos que a saúde mental seja discutida com a mesma seriedade como é na Europa, afinal, esse tema é uma preocupação não somente nossa, mas de todos os continentes.

Durante a reunião do Parlamento Europeu, em 10 de fevereiro de 2009, tomando como base a conferência, cujo título era: “Juntos para a Saúde Mental e o Bem Estar”, realizada em Bruxelas no mês de junho de 2008, onde foi estabelecido o “Acordo Europeu para a Saúde Mental e o bem-estar”, com base em diversos tópicos e resoluções em discussão pelo Comitê Econômico e Social Europeu, ficaram estabelecidas medidas que buscam direcionar um programa preventivo em saúde mental, afinal, entre 3 e 4 % do PIB dos estados membros e no ano de 2006, houve um custo econômico em decorrência da ineficácia dos programas existentes em saúde mental no valor de 436 milhões de Euros, mais de um 1 bilhão e duzentos milhões de reais, gastos esses, efetuados na maior parte das vezes, fora do setor de saúde, devido as ausências sistemáticas ao trabalho(Absenteísmo) e as aposentadorias antecipadas. Tais despesas não refletem os encargos financeiros adicionais da morbidade que afetará as pessoas acometidas por psicopatologias.

Além dessas questões financeiras, ficou bastante explícito, a preocupação com aspectos muito mais significativos, frente a uma Europa atualmente sufocada por severos conflitos psicossociais, fazendo necessárias ações específicas e políticas que visem promover integração e inclusão social, além de outras tantas considerações, entre elas, no item X, que confere aos transtornos em saúde mental o maior índice da morbidade no continente.

Na resolução do Parlamento Europeu, no inciso 26, das disposições que tratam da Saúde Mental e Educação, há um convite aos Estados-Membros a organizarem programas de orientem, apóiem e atendam as necessidades sociais e emocionais, enfatizando a “importância dos que são destinados a promover a auto-estima e a gestão de crises”, bem como, a promoção de políticas públicas baseadas em estudos psicossociais.

Portanto, frente à busca de uma política de saúde mental, torna-se necessário que, assim como na Europa, o Brasil ouça todos os segmentos, fazendo uma ampla analise, pesquisa e discussão para que construamos uma nova estrutura, destituída dos lamentáveis horrores cometidos por detrás dos muros, esses mesmos, que escondem de nossos olhos tudo aquilo que cada um de nós tem e finge não compreender: A loucura nossa de cada dia.

Marcus Antonio Britto de Fleury Junior
Psicólogo e Coordenador do Ateliê de Inteligência.
Fontes: http://www.paulodelgado.com.br/revista/barbarie.htm
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/boletim_alerta_v14_n5.pdf

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Projeto 111/2010,que prevê detenção e sentença aos dependentes químicos...






SENADO FEDERAL

Gabinete do Senador DEMÓSTENES TORRES
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2010
Altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto
de 2006 (Lei de Drogas), para prever
pena de detenção para condutas
relacionadas ao consumo pessoal de
droga e a sua substituição por tratamento
especializado, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a
viger com as seguintes alterações:
“Art. 5º ...................................................................................
V – combater o tráfico de drogas e os crimes conexos, em
todo território nacional, dando ênfase às áreas de fronteira, com o
apoio das Forças Armadas, na forma da lei.” (NR)

“Art. 28. Adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou
trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
§ 1º À mesma pena submete-se quem, para seu consumo
pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de
pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar
dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo
pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação,
às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
antecedentes do agente.
§ 3º O juiz substituirá a pena privativa de liberdade por
tratamento especializado, nos termos do art. 47 desta Lei.” (NR)

“Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em
avaliação realizada por comissão técnica, substituirá a pena
privativa de liberdade de que trata o art. 28 desta Lei por tratamento
especializado.
§ 1º A comissão de que trata o caput deste artigo funcionará
junto ao tribunal ou juízo competente, terá seus membros
designados pelo Conselho Municipal Antidrogas e será composta
por três profissionais com experiência em dependência e efeitos das
drogas, sendo ao menos um deles médico, conforme regulamento.
§ 2º O juiz poderá, a qualquer momento, encaminhar o
acusado para tratamento especializado, após ouvida a comissão de
que trata o § 1º do caput deste artigo.
§ 3º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à
disposição do condenado, gratuitamente, estabelecimento de saúde
para tratamento especializado.” (NR)
“Art. 48. ...................................................................................
§ 5º Para fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099, de 1995,
que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério
Público poderá propor o encaminhamento imediato do acusado
para tratamento especializado.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor noventa dias após a data de sua
publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O crack, a devastadora mistura de cocaína com bicarbonato de
sódio ou amônia, demora entre 5 e 10 segundos para, ainda quente, atingir
o pulmão. É o tempo de ler a frase anterior e o mal já teria ido dos lábios
queimados do usuário às cavidades laterais do tórax. A fumaça inalada é
imediatamente absorvida, ganha a corrente sanguínea e chega ao cérebro. O
coração se acelera, a pressão arterial sobe, os músculos começam a tremer,
a transpiração se inicia. As sensações que o fumante da droga obtém duram
igualmente pouco, 10 minutos. Quando elas acabam, o caminho é imediata
e novamente percorrido. Também é célere o tempo entre o dia em que
consome a primeira pedra de crack e a constatação dos especialistas de que
virou um zumbi a perambular pelas ruas 100% viciado. Ocorre em menos
tempo e de forma mais avassaladora com o viciado em crack, mas os
efeitos são igualmente destruidores em usuários de cocaína, maconha e
outras substâncias químicas. É preciso reagir, antes que o horror se aposse
de vez da juventude. Por isso, o Poder Legislativo tem de apresentar
soluções à sociedade que tanto sofre ao assistir seus filhos perderem o
futuro. O presente projeto de lei é uma resposta ao querer dos especialistas,
à fracassada despenalização do uso de entorpecentes, à dor das famílias e
ao resgate da geração que o Brasil pode perder para as drogas.
O projeto modifica a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006,
que teve o intuito oficial de instituir o Sisnad (Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas); prescrever medidas para prevenir o uso
indevido, atender e reinserir socialmente usuários e dependentes de drogas;
estabelecer normas para reprimir a produção não autorizada e o tráfico
ilícito de drogas; definir crimes e dar outras providências. Mas a parte
visível do novo diploma legal foram esquinas, becos e quartos lotados de
pessoas usando drogas sem que o poder público, a família e os amigos
possam fazer nada além de torcer para que o Congresso Nacional
reconheça o erro e volte atrás na parte da lei que não funcionou.
Para corrigir, volta a punição ao usuário, não para transformar
em tema unicamente de segurança pública uma questão que também é de
saúde pública. Familiares, educadores e o próprio Poder Judiciário ficaram
de pés e mãos atados para internar o usuário. Se ele quiser se tratar,
arruma-se uma clínica; se recusar o tratamento, nada se pode fazer além de
assistir a autodestruição. O projeto repara esse equívoco da Lei
11.343/2006, toma uma providência necessária, ao incluir as Forças
Armadas no combate ao tráfico ilícito de entorpecentes, fechando as
fronteiras do Brasil a esse monstruoso perigo externo. Outra medida
necessária é a obrigação de o governo investir em estratégias antidrogas:
prevenção, com amplas campanhas de conscientização; educação,
explicando de forma pedagógica as consequências do vício; tratamento,
com estrutura necessária: prédios, equipamentos, medicamentos,
profissionais capacitados e preparados especificamente para cuidar do
acompanhamento e tratamento de drogados.
A ideia do projeto, com os três pólos de atuação acima
descritos, surgiu na internet, enquanto debatia no perfil @demostenes_go
com outros que têm página no Twitter. Ao longo de meses, houve dezenas
de sugestões no microblog e enviadas por e-mail, que podem ser resumidas
nos tópicos abaixo:
1) “O usuário de crack não tem parâmetro com nenhum
viciado em outras drogas, mesmo as fortes, como cocaína e heroína. Ele
fica igual a um zumbi, completamente dominado pelo crack: para de
estudar, para de trabalhar, não quer fazer mais nada que não seja fumar as
pedras de crack. Mesmo assim, a família sofre por não poder interná-lo se
ele não quiser e ele não quer, porque a única coisa que um viciado em
crack quer é fumar mais crack. Atualmente, o usuário não pode ser preso
nunca, mesmo que descumpra reiteradamente a ordem judicial de se
internar. A ideia é ele ser obrigado a buscar tratamento, pois senão terá de
cumprir a pena de outras formas. A internação compulsória pode se dar de
acordo com laudo médico ou de qualquer outro integrante de equipe
multidisciplinar: psicólogo, assistente social, pedagogo. A abstinência não
mata – o crack, sim.”
2) “Obrigar o Executivo a construir equipamentos públicos
para internação e tratamento de dependentes de drogas, inclusive das
lícitas, como o álcool. Há diversas sugestões, inclusive de percentual fixo,
dentro das verbas da saúde. A lei definiria que órgãos seriam responsáveis
pelas diversas áreas: obras de infraestrutura física, equipamentos médicos,
profissionais de saúde e de apoio, medicamentos, pesquisa. Haverá
previsão de pena para o administrador (ministro da Saúde e presidente da
República; secretários municipais, estaduais e distrital de Saúde;
governadores e prefeitos) que descumprir a lei ou retardar o início das
obras ou instalação.”
3) “Na outra ponta, o combate sem trégua aos traficantes,
desde o graúdo que atravessa as drogas na fronteira até o pequeno passador
de droga num condomínio ou bairro. Como as drogas viraram problema de
segurança nacional, além de segurança pública, nada mais natural que a
entrada das Forças Armadas no combate aos traficantes. O serviço de
inteligência das três armas será fundamental. Junto com as Polícias Federal,
Rodoviária Federal, Militares e Civis, as Forças Armadas têm de cercar o
tráfico desde a fronteira até a rua.”
Não apenas para atender a clamor popular, e também para
ouvir essa voz das ruas, inclusive as virtuais, elaborou-se um texto que se
aproxima do necessário. Talvez não se alcance cada minúcia ditada pela
angústia de pais, irmãos, amigos de quem padece sob o vício, mas se fez o
possível no âmbito da legalidade, da constitucionalidade e da
regimentalidade.
A modificação se inicia com o reconhecimento do valor das
Forças Armadas, indispensáveis na proteção do País, suas riquezas, seu
povo, sua cultura. Ao violar a fronteira, o tráfico de drogas ofende os bens
tutelados pela Marinha, o Exército e a Aeronáutica. Portanto, é vital o seu
emprego contra a entrada dos ilícitos no Brasil. A Presidência da
República, através do Projeto de Lei da Câmara nº 10, em tramitação
atualmente no Congresso Nacional, quer alterar os artigos 2º, 4º, 7º, 9º, 11,
12, 15 e 18 da Lei Complementar nº 97/1999, a que dispõe sobre as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas,
criando o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. No concernente ao
tema, ficaria assim a redação do inciso VII, do artigo 18, da referida lei,
dizendo que “Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias
particulares”, entre outras:
“VII – preservadas as competências exclusivas das polícias
judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de
controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo
ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e
passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de
fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem
das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência
destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem
como efetuar prisões em flagrante delito”.
O presente projeto prefere “Forças Armadas”, termo mais
completo, pois além da Aeronáutica envolve o Exército e a Marinha.
Assim, acrescenta o inciso V ao artigo 5º da Lei 11.343/2006.
Uma vinculação constitucional de recursos a serem aplicados
no combate às drogas, forma a que chefes de Executivos obedeceriam, seria
eficiente. Mas ela, contida na Emenda nº 29, de 13 de setembro de 2000,
ainda foi regulamentada. A lei complementar de regulamentação seria o
instrumento legislativo adequado, mas tal norma ainda inexiste. Este
projeto, o PLP nº 306/08, já foi aprovado (em 2008) pelo Senado e,
atualmente, está na Câmara dos Deputados. Regulamenta os parágrafos 2º e
3º do artigo 198 da Constituição Federal, dispondo sobre percentual
mínimo a ser aplicado em ações e serviços de saúde por União, Estados,
Distrito Federal e Municípios.
A outra parte, que trata da popularmente denominada
“internação compulsória”, resgata a possibilidade de prisão para o usuário
de drogas, pois a despenalização foi uma experiência ruim, servindo
unicamente para potencializar o sofrimento dos próprios viciados e seus
familiares. Evidentemente, o propósito não é levar ao cárcere alguém “só”
por estar fumando crack ou maconha, cheirando cocaína, usando ecstasy.
Tome-se cuidado com os termos técnicos. O médico Léo de Souza
Machado, especialista da Associação Brasileira de Psiquiatria e membro
internacional da Associação Americana de Psiquiatria, consultado
especificamente deste projeto, esclarece:
“O termo ‘compulsório’ deve estar sempre associado ao termo
‘tratamento médico’ e não a internação, visto que a internação compulsória
é carregada de estigma e sofre críticas ideológicas de toda ordem. Penso
que a mudança na lei 11.343 deve fazer com que a lei 10. 216 (que
regulamenta a assistência aos portadores de transtornos mentais) seja
observada e neste sentido o dispositivo ‘compulsório’ já se encontra
contemplado. Lembro porém que segundo a citada lei a internação
psiquiátrica somente ocorre mediante laudo médico circunstanciado que
justifique a insuficiência de modalidades não hospitalares. A melhor
maneira de garantir a assistência integral aos dependentes químicos é
vincular a substituição da pena privativa de liberdade ao tratamento, que
será melhor estabelecido se a câmara técnica for composta por médicos
especialistas em psiquiatria, que estabelecerão de maneira individualizada o
projeto terapêutico para os indivíduos que forem considerados pelo
Judiciário elegíveis para substituição da pena por tratamento
especializado”.
O doutor Léo de Souza Machado, que também é perito
psiquiatra do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, lida diretamente com
os abarcados pelo presente projeto, pois como coordenador de Saúde
Mental do Município de Goiânia vê diuturnamente os viciados e seus
familiares em busca de tratamento. Sua informação, corroborada por outros
especialistas pesquisados para se compor esta exposição de motivos, foi
acatada no projeto, não se utilizando o termo internação compulsória.
Também estão no corpo do projeto a transação penal, visando o tratamento
do usuário, e a necessidade do trabalho de especialistas antecedendo a
decisão judicial.
Nas entrevistas com estudiosos do assunto, usuários e seus
familiares constata-se uma peste espalhada pelos quatro cantos do País, o
crack. Além da velocidade com que vai do cachimbo ao cérebro, a
substância também chega rapidamente às ruas. A mistura de cocaína em pó
com bicarbonato só caiu em um item, o preço. Uma pedra de crack era
vendida por 10 reais e foi baixando até se ter notícia de ela estar por 1 real
ou até 50 centavos. Inclusive, se diz que a moedinha entregue a um
mendigo é suficiente para ele adquirir a droga. Mas é anacrônico o
estereótipo do usuário de crack ser alguém maltrapilho que pede esmola. O
crack se socializou: é consumido por quem mora em pontes com a mesma
intensidade de quem reside em mansões. Crianças em situação de rua, que
antes cheiravam cola de sapateiro e esmalte, aderiram ao crack. O mesmo
fizeram jovens insuspeitos, de família estabilizada e vida confortável.
Cocainômanos igualmente passaram a fumar o subproduto do pó. Além do
fator econômico, o crack atrai tanta gente pelos efeitos.
As sensações são instantâneas, mas o usuário consegue
discerni-las apenas no início. Há quem tenha infarto na primeira vez. Em
média, em uma semana já não consegue parar de fumar. Dorme pouco,
come ainda menos. Em dois meses está viciado. Tosse muito, as dores no
peito são constantes, a respiração falha. Dentro de seis meses já
desenvolveu doenças graves como enfisema pulmonar. Órgãos vitais como
o cérebro e o coração apresentam lesões irreversíveis. Quem escapa da
morte fica com sequelas para o restante da vida. E, para o viciado, não há
vida fora do crack: ele consome uma pedra de crack a cada 15 minutos, o
tempo inteiro, dia e noite.
A trajetória de quem cai nas garras dos traficantes é muito
parecida e dela consta a sedução nas festas e nas rodas de amigos. Quando
a família chega a perceber, o vício já tomou conta. Há sinais, mas em geral
supõe-se que aquele jovem esportista não se envolveria com isso, aquela
moça estudiosa não substituiria os livros, o modelo não faria isso com o
corpo que tanto cultua. Mas acontece. E até nas melhores famílias, aquelas
que cuidam, educam, acompanham. O adolescente cheio de vida vira um
molambo em questão de dias. E, atualmente, muito pouco se pode fazer por
ele além de lamentar, chorar, maldizer. Nem internar pode, só se ele quiser
e ele não quer, pois tudo o que deseja é fumar pedras, não manda mais em
si, não domina as vontades. Querer que um viciado em crack se levante da
calçada e, em vez da boca-de-fumo, tome o rumo da clínica de recuperação
é sonhar que a raríssima exceção se transforme em regra. O que o presente
projeto almeja é dar ao dependente químico a oportunidade de se tratar e à
família a chance de acordar de um pesadelo.
Para a formatação do projeto foram feitas audiências públicas
virtuais, principalmente no microblog Twitter, com sugestões enviadas
também por e-mail e em site disponibilizado para receber as mensagens.
Houve opiniões como a de Veronica Gomes da Silva
(verocasss@gmail.com). Ela diz que a internação compulsória “seria um
paliativo, uma solução com efeito de curto prazo: o afastamento do
indivíduo do convívio social por um período previsivelmente curto, já que
fugir de uma instituição é mais simples que fugir de prisão”. Veronica
concorda que “não existe solução mágica para problema das drogas” e
concorda: “Traficante deve ser preso. Não existe traficante bonzinho e
traficante do mal. Todos almejam poder e riqueza”. Após questionar o
sistema acerca da burocracia e antes de se questionar se “a internação será
mais uma das leis que acrescem artigos ao código sem trazer qualquer
efeito concreto”, Veronica elogia o projeto: “A ideia é muito boa e deve ser
aplicada mais à frente, quando o Brasil possuir clínicas públicas de
reabilitação de qualidade razoável, presídios maiores e uma população
carcerária mantida com as devidas condições humanas”. Lembra “que a
prevenção é o único caminho possível e o mais esquecido pelo
Legislativo”.
Diversas outras opiniões redundaram na presente exposição de
motivos, como a de Marcel Fang (marcelfang@hotmail.com). Outras boas
sugestões não puderam ser aproveitadas no texto da lei, como a de Gilson
Sotero Jr. (twitter.com/SadServicos), que sugere um serviço no estilo 190
(da Polícia), mas não por telefone: “Feito também via SMS, por celular, já
que há situações em que se suspeita de meliantes e não há como ligar, pois
fica visível. Via SMS seria melhor, mais seguro e mais discreto”. Fica a
alternativa para os administradores. Suenilson Saulnier de Pierrelevée Sá,
(suenilson_sa@yahoo.com.br), sugere “que o PLS deveria preconizar algo
na seguinte direção: todo aquele cidadão diagnosticado como dependente
químico de drogas ilícitas por junta médica do SUS, após ter sido
encaminhado pela autoridade judicial (e somente por ela), poderá ser
internado compulsoriamente para a desintoxicação, procedimentos
terapêuticos e médicos. Para que o estado cumpra o seu dever de preservar
a vida e a dignidade dos seus cidadãos. Cabendo ao MP o acompanhamento
da evolução clínica do paciente, por um período não superior a 12 meses”.
Como se viu, parte do teor está no projeto.
Pelo Twitter, muitas sugestões e opiniões. @aivlisf lembra da
“Mãe processada p/ acorrentar filho viciado em crack" e diz que devem-se
evitar absurdos como este, “daí necessidade de internação compulsória”.
@minsaude, do Ministério da área, diz em mensagem que “O consumo de
#crack traz distúrbios e mudanças de comportamento que afetam a família
e todos que estão a volta do usuário”. Também participaram
@maxprofessor, @andreiaperne e centenas de outros, cada qual contando
experiências, informando, criticando. @cristian_gomes, perfil de um
apresentador de TV em Goiás e ex-secretário da Juventude de Goiânia, e
@andreflauzino dão como exemplo o projeto Luz que Liberta: “Lá, não são
internadas mais pessoas por falta de recursos”. @brasilpoesia diz que
“combater as drogas é investir na saúde. Combater a violência é investir na
educação”. @ediglanmaia, perfil de um líder político do Sudoeste de Goiás
e vereador em Jataí, analisa: “Não consigo vislumbrar o SUS ofertando
tratamento aos usuários de drogas. A saúde pública no Brasil é falida. O
que fazer? A questão é gravíssima. O Brasil está infestado de traficantes e,
consequentemente, de usuários. Proposta de internação compulsória, ótimo.
Porém, há os que estão defendendo a ‘liberação’ das drogas, inclusive
políticos.” Celso de Almeida Pólvora Junior, cpolvora@gmail.com, sugere:
“Poderíamos utilizar a já consagrada ideia/método/forma dos Alcoólicos
Anônimos”.
Com as devidas escusas por não ser possível citar tantas
pessoas valorosas que colaboraram na execução deste projeto, vale
relembrar que um pensamento permeou as opiniões: “É preciso fazer
alguma coisa”. A coisa que cabe ao Poder Legislativo fazer é uma resposta
legal à escalada das drogas, principalmente as ilícitas, com ênfase no crack.
Não há dados nacionais abrangentes, mas são alarmantes os índices de
estabelecimentos tradicionais e confiáveis: em 2005, apenas 0,5% dos
usuários de drogas eram viciados em crack; em 2008, já chegavam a quase
1/3; agora, os viciados em crack já são mais da metade dos drogados. Já
existem mais pessoas viciadas em crack que em álcool. Essas assombrosas
cifras se desenrolaram em meia década. Realmente, é preciso fazer alguma
coisa. As providências que serão obtidas a partir deste projeto são uma
resposta legislativa esperada pela sociedade.
Sala das Sessões,
Senador Demóstenes Torres

terça-feira, 3 de maio de 2011

Nas entrelinhas da lei



O retrocesso bate às portas pedindo licença para adentrar, não somente em suas casas, no entanto, em suas vidas, trazendo no olhar uma quantidade de sadismo e aquela perplexidade psicopática típica dos que, passo a passo, estruturam seus golpes, sempre envoltos em ritos de prazer, fazendo das leis os suportes para a concretização das fantasias tiranas e perversas, persuadindo a sociedade através da manipulação de fatos e desejando transformar pessoas adoecidas nos motivos das incompetências das políticas públicas de saúde mental, propondo leis que encarcerem e sentenciem judicialmente dependentes químicos, punindo-os, estigmatizando-os e execrando-os do convívio social.

O projeto de Lei 111/2010,de autoria do Senador Demóstenes Torres, que tramita no Congresso Nacional, é a mais nociva arma forjada contra o ser humano, principalmente, estando esse, acometido pela dependência química, doença classificada pela Organização Mundial de Saúde e descrita nos CID-10 e DSM-IV, sendo as sugestões para tratá-la, a partir de condutas terapêuticas que abranjam a multidisciplinaridade, pois, tal transtorno, abarca em si contextos extremamente complexos que implicam em fatores biopsicossociais, sendo o aspecto jurídico, um detalhe que não deve ser desconsiderado, mas colocado no devido lugar do fato e não como procedimento clínico, afinal, dependente químico não é criminoso e necessita de todo amparo necessário baseado em técnicas embasadas por estudos e pesquisas científicas, além, é claro, do suporte do afeto e acolhimento para que livre-se das mais duras penas as quais está sentenciado por suas dores não atendidas, não escutadas e não sabidas, pois, encontra-se recluso ao pior cárcere do mundo, atado aos ferrolhos da angústia, solidão, medos e desespero, sendo duramente castigado e punido em seu próprio corpo e mente por não conseguir lidar com as histórias compõem suas vidas.

O dependente químico, mesmo que inicialmente apresente certa resistência e adesão ao tratamento, sempre está com as mãos estendidas a espera de outras que o possam ajudá-lo em relação à condição que se encontra, e por mais tênue que pareça, sua capacidade e vontade em transpor as dificuldades que apresenta, são evidenciadas em sua falas quando começa a descrever sua história composta por profundas perdas e traumas, cujos componentes, vão desde os conflitos sociais até o mais intenso abandono psíquico; portanto, não é a detenção , conforme Art:28, nem a sentença de um juiz que suspende a pena de "privação da liberdade" por "tratamento especializado", mas, uma política que incentive um novo modelo de políticas de saúde mental no Brasil, desprovido de privilégios a uma categoria, entretanto, que abranja a importância das mais diversas profissões, numa atuação multidisciplinar, que veja o ser humano não como criminoso e que o veja muito além da doença que o acomete, mas, que seja compreendido por suas fragilidades e intensos conflitos, estando esses, presentes em todos nós, independente de quaisquer situações.

Quantos, nesse exato momento, estão envolvidos pelas dores de seus filhos e mergulhados no sentimento de fracasso como pais, como filhos, como esposas, como amigos? Imagino que milhares, entretanto, nada se compara a dor sentida por um dependente químico, cujo corpo físico e mental, fazem desaparecer, por instantes, recriando um outro, até que o efeito químico passe e, de volta ao seu invólucro de corpóreo de "carne, ossos e sentimentos, aprofunda-se nas alterações estabelecidas nas mediações químicas neuronais, que, em segundos estavam a mil por hora e, abruptamente, vê todo seu ritmo modificado e novamente remetido ao corpo que não consegue desfazer, mergulhando no contexto de seus conflitos psicológicos.

O dependente químico não deve ser usado como plataforma de interesses eleitoreiros que destinam-se elevar o narcisismo de pretensos salvadores da pátria, pois, em primeiro lugar, não se salva a pátria subtraindo a inteligência de uma nação ao tentar dissuadi-la com troca de palavras, como o próprio projeto de lei 111/2010 sugerir aos seus defensores em próprio texto, orientando que: "o termo "compulsório" deve sempre estar associado ao termo "tratamento médico" e não internação, visto que, a internação compulsória é carregada de estigma e sofre críticas ideológicas de toda ordem"; isso, a meu ver, fere gravemente princípios, entre eles, a honestidade e o respeito ao próximo, expondo a intencionalidade punitiva impregnada nas justificativas expostas no próprio texto, onde diz: " A outra parte, que trata da popularmente denominada internação compulsória, resgata a possibilidade de prisão para o usuário de drogas". Então, mais uma vez afirmo: Dependente químico não é bandido, e detenção não é tratamento.

Além desses absurdos explícitos nesse projeto de lei, há outros que desmerecem a presença de profissionais dos mais variados segmentos em saúde mental na elaboração de projetos terapêuticos e ainda transfere ao judiciário a responsabilidade em definir quais pessoas serão contempladas por pena substitutiva (internação), sendo ela, "tratamento especializado". Diz o projeto de lei que: "uma câmara técnica formada por médicos especialistas em psiquiatria estabelecerão, de maneira individualizada, o projeto terapêutico aos indivíduos considerados pelo judiciário elegíveis a substituição da pena por alguma forma de tratamento".

O projeto de lei 111, representa o retrocesso em relação aos avanços das políticas de saúde mental, além de criar estigmas sobre a pessoa do dependente químico, transformando sua dor e seus graves transtornos em algo que deva ser condenado e lançado para detrás dos muros, onde, geralmente, o Estado esconde os frutos de suas incompetências quanto as políticas públicas. Além do mais, é o retorno das práticas manicomiais que deve ser substituído por serviços que humanizem e reestruturem, como os CAPS-III e CAPS AD (Álcool e Drogas), além de leitos disponíveis em hospitais gerais, consultórios de rua, casas de apoio e outros projetos elaborados que visem tratar e não punir o Ser Humano.

Marcus Antonio Britto de Fleury Junior é psicólogo, coordenador do programa de combate a depressão e do Grupo de Estudos Michel Foucault, do Ateliê de Inteligência